Pesquisa bibliográfica: Maricélia Maciel (estudante).
Autoras: Andrea Bernardes Lopes – Psicóloga Clinica.
Maria de Fátima Reszka – Psicóloga. Mestre em Educação.
AMOR, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, UXORICÍDIO.
Inúmeros são os autores que se tornam famosos através de suas histórias de amor e ódio, crime e castigo, de homicídios movidos por fortes emoções. Embora existam divergências em relação a amar e matar, as estatísticas mostram que, atualmente, inúmeros são os casos de casamentos que acabaram com a morte de um dos cônjuges, sendo as mulheres, na maioria das vezes, a vítima deste tipo de delito, que avança de forma acelerada.
O presente estudo tem o intuito de investigar os ditos “crimes de amor”, buscando compreender o que os sujeitos que cometem o uxoricídio, ou seja, matam sua esposa, definem por amor. Observando a contrariedade entre amar e matar, este tema suscita interesse não somente de ordem social e epidemiológica; tal fenômeno põe em discussão aspectos emocionais, psicológicos, jurídicos e ideológicos, para os quais até o presente momento não se verifica considerável compreensão.
“Amor não mata, pelo contrário, dá vida” é o posicionamento de alguns dos autores que trabalham este tema. Este estudo buscará entender como os uxoricidas referem-se ao sentimento chamado amor, que paradoxalmente é a justificativa de seu ato de violência extrema.
O casamento é uma das instituições mais antigas do mundo civilizado, cuja celebração conserva suas características há mais de dois mil anos. Mesmo com as visíveis mudanças sociais, o casamento continua sendo idealizado por muitos, mesmo após o fracasso de uma ou mais experiências.
Gauer apresenta as fases a serem experienciadas durante o casamento. No início da relação a dois é coroado pela fase de apaixonamento, de idealização. Após, os cônjuges deparam-se com a desidealização, na qual aprendem (ou não) a aceitar suas diferenças para uma convivência harmoniosa. Percebe-se que o outro não é perfeito, e os defeitos tornam-se visíveis. A última fase é a de dependência madura e, obviamente, trata-se do casamento saudável, no qual os parceiros conseguem administrar as contrariedades que surgem no casamento. Já nas relações patológicas, essa terceira fase dá lugar a uma de reprovação, emergindo os conflitos infantis não elaborados ou não resolvidos através de uma união conjugal. Tem-se, então, uma relação ambivalente com a prevalência do ódio sobre o amor.
A partir destas considerações, faz-se necessário conceituar ódio e amor, que, conforme Suecker, são energias de sucessivas acumulações afetivas. O primeiro leva alguém a experimentar repulsa por uma terceira pessoa, fazendo surgir o desejo de lhe causar dano ou de destruir ou afastar para longe o objeto odiado. Já o amor leva alguém a experimentar não a repulsa, mas a atração, gerando o desejo de fazer o bem ao ser amado e de acarinhá-lo ou tê-lo presente. Frente a esta conceituação, Bodei traz a idéia da transformação do amor em ódio, sendo que a intensidade desses afetos parece corresponder-se; ou seja, quanto maior o amor inicial, tão ou mais violento poderá ser o ódio.
O amor dirige-se à preservação do ser amado, ao contrário do destrutivo ódio, que é entendido como um corrosivo e cuja força é capaz de execrar a pessoa anteriormente amada. Como apreciado nas relações patológicas conjugais, a possibilidade de destruição da vida do cônjuge faz-se mais presente. Nesses casos, o autor do fato parece não vacilar perante nada, tamanha a intensidade de seu sentimento de vingança e aversão à mulher. A partir deste enfoque, o ódio é o grande motivador da violência doméstica podendo chegar ao mais alto grau de expressão da violência: o atentar contra a vida de outrem; ou ainda o homicídio.
O ANEL QUE TU ME DESTE ERA VIDRO E SE QUEBROU: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Embora a violência doméstica seja um fenômeno multifatorial, alguns aspectos podem ser designados como facilitadores desta conduta. Entre esses, encontram-se: o alcoolismo, a pobreza e o desemprego e o fácil acesso a armas de fogo.
No Brasil, segundo Soares, em 77,6% dos casos de violência, o agressor é o próprio cônjuge (ou ex-cônjuge). Observou-se também que 70% dos casos revelam a ocorrência de agressões anteriores, demonstrando um padrão de violência recorrente. Estes dados fazem pensar sobre as origens destes padrões e sua omissão, comum na nossa realidade.
Para Corsi, somente após vários anos de sofrimento é que as mulheres efetuam a denúncia, pois a dependência econômica e os vínculos de parentesco são fatores que contribuem para que esta denúncia seja adiada. O medo também é um fator que causa a omissão dos casos de violência desta natureza, além da dependência econômica e afetiva. As ameaças são os meios utilizados pelos agressores para manter a vítima sob seu jugo, impedindo que o crime venha a ser denunciado e escapando da punição. Agindo assim, mascarando a verdade, configura-se, por parte das mulheres, o consentimento que se deve manter a violência pela impossibilidade de encontrar uma alternativa que satisfaça suas necessidades de amparo afetivo e material. Esta dependência costuma durar por muito tempo, até que seja esgotada a esperança de uma melhoria da relação.
Nessa relação conjugal, em que a violência prevalece, Nunes elucida que tanto o agressor quanto a vítima necessitam de auxílio e esclarecimento quanto aos direitos e obrigações que permeiam uma relação conjugal. Reestruturando seus papéis, readquirindo sua dignidade de ser humano, será possível desativar os mecanismos desta “bomba-relógio”, composta por omissão, impunidade, repetição e silêncio, promovendo a eliminação dos perigos iminentes que afligem os lares brasileiros.
Soares aponta barreiras que favorecem a permanência da vítima nesse relacionamento violento, sendo elas a negação social, a crença na busca de um auxílio por parte do agressor, a falta de autonomia econômica, a morosidade que envolve o término de um relacionamento e a esperança de que o marido mude de comportamento.
O mesmo autor afirma que, devido à dificuldade do trâmite, inúmeros são os fatores que acabam por contribuir para que muitas mulheres desistam de concretizar suas denúncias. Entre eles, encontra-se a situação de fragilidade da vítima, a falta de interesse na prestação de esclarecimentos por parte das autoridades, o temor das ameaças impostas pelo agressor, a falta de condições econômicas para manter seus filhos e a si.
Cardoso descreve que há uma gama de motivos que levam os sujeitos a permanecerem em relacionamentos violentos, desenvolvendo desta forma um ciclo contínuo de violência conjugal. Este pode vir a se agravar, gerando consequências extremas, como o risco de vida. Os prejuízos que as relações conjugais violentas resultam, atingem tanto os membros da dupla como seus familiares e a sociedade. Segundo Nunes, a idéia de posse da vítima é nítida no agressor, que a percebe como sendo parte sua e entendendo que seu distanciamento é um risco para sua própria sobrevivência. Os agressores que não conseguem lidar e conter suas ansiedades e frustrações são os que provavelmente acabam por delinquir. Dependendo da maneira como esta relação adulta se constituirá, criam-se, ou não, oportunidades para o desenlace de um delito grave. Este é, normalmente, o último elo de uma cadeia de acontecimentos de progressiva gravidade.
DELINQUENTE POR AMOR: UXORICÍDIO
Ferreira define uxoricídio como assassinato da mulher pelo próprio marido. O autor ainda complementa que a maior parte dos homicídios relacionados ao cônjuge se refere à violência doméstica no decorrer da história do casal.
O assassino não é amoroso; é cruel, afirma Eluf. O amor não traz destruições como muitos chegaram a alegar. O sentimento de paixão é comum a muitas pessoas e as medidas são várias; contudo, existem pessoas mais propensas a praticar um ato de violência.
Segundos dados de pesquisa relatados pelas autoras acima, geralmente ele é homem, tem mais de 30 anos, é extremamente vaidoso, ciumento, possessivo e inseguro. Após o crime, procura confundir a sociedade, que o julgará no tribunal do júri, apresentando a visão do amante sofredor, dominado por bons sentimentos, injustamente traído e, finalmente, arrependido. Ele quer, apenas, escapar da merecida punição. Eluf relata, a partir de sua experiência profissional como promotora de justiça, que o homicida passional raramente se arrepende.
Já Ribeiro entende que o homicida passional é, acima de tudo, um narcisista. Ele passa a vida enamorado por si mesmo, elege a si próprio, ao(s) outro(s), como objeto de “amor”. Não possui autocrítica e exige ser admirado, exaltado pelas qualidades que não tem. Não acontecendo assim, sente-se desprezado, morto, destruído, liquidado. Contra isso, luta com todas as armas, podendo até matar para evitar o colapso do seu ego. Reage contra quem teve a audácia de julgá-lo uma pessoa comum, que pode ser traída, desprezada, não amada.
Passada a agressão, é comum o criminoso se surpreender com as próprias atitudes e se sentir tocado pelo que fez, e alguns ficam no local do crime, chamam a polícia, pedem ajuda, entretanto dificilmente chegam ao arrependimento.
Em, 17.08.16